Blog do LAEL
sábado, 2 de outubro de 2021
Abrir mão do que não está em nosso controle
domingo, 26 de setembro de 2021
A LIBERDADE
Existe um fato que precisa ser dito aqui antes de prosseguirmos; a percepção do quanto perdemos de liberdade, equivale á percepção do que acreditamos ser a liberdade. Portanto, se a dona Maria acredita que liberdade é ela poder comprar o que quiser com seu dinheiro, e o senhor José acredita que liberdade é poder tomar para si o que pertence a outro, então certamente teremos aqui dois entendimentos diferentes acerca da liberdade. Consequentemente, se a lei de um país não permite a compra de armas de fogo, então a dona Maria sentirá sua liberdade perdida nesta área; a mesma coisa para o senhor José, caso a lei o impeça de tomar o que não lhe pertence. Portanto, o entendimento do que cada individuo considera liberdade afeta o que ele mesmo considera restrição. Talvez, por força de cultura ou moral, estejamos á pensar que os exemplos usados vão além do que "é certo". Mas, ao pensar dessa forma, acabamos caindo na tirania contra a liberdade da dona Maria e do senhor José, Assim, percebemos que essa genealogia da definição de liberdade passará inevitavelmente pela cultura ou moral de um individuo. Logo, não creio ser correto dizer que podemos definir o que é liberdade, uma vez que a percepção é individual, mas podemos fazer aproximações graças á forma como a humanidade tem se organizado em sociedade. Aquele estilo de vida antigo, em que o homem se fazia valer pela sua força física e prevalecia o interesse do mais forte, foi substituído pelo valor empregado pela comunidade, e depois pela nação. Cada país tem um mito (ou religião) fundador, responsável pela cultura e pelos seus princípios morais, onde estes são responsáveis por influenciar a criação de novas leis que regem o relacionamento entre seus cidadãos.
Aristóteles disse que "é livre aquele que tem o princípio em si mesmo para agir, ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir". Na Grécia Antiga, diferente dos tempos modernos, o individuo era valorizado acima do Estado. Percebemos as notáveis histórias de heróis como Aquiles, filósofos como Sócrates e muitos outros, cuja fama se alastraram pela individualidade. Foram tempos de enorme propagação de ideias até hoje debatidas, percepções até hoje consideradas essenciais para a evolução intelectual do homem. As maiores invenções e descobertas da humanidade aconteceram por iniciativa de indivíduos e não de grupos. Isso nos ensinou que um dos maiores frutos da liberdade é a criatividade. Em contrapartida, podemos testemunhar que as nações que mais criaram leis para padronizar ou uniformizar seus cidadãos sofreram o mau da ausência de grandes ideias.
Não estaríamos errados em admitir que a simples ousadia de agir ou opinar de forma diferente do poder dominante, nos colocaria como vitimas de diversos tipos de restrições. Com o passar dos séculos tem ficado claro que, á medida que a humanidade cresce, também cresce a uniformização do pensamento. Como eram diversas as línguas, culturas, costumes e artes do Mundo Antigo! Quando lemos os clássicos Ilíada e Odisseia, de Homero, nos impressiona a plenitude da liberdade com que os homens viviam, guiados pela honra aos outros como seus semelhantes, pela necessidade de eternizarem seus nomes por meio de suas mais excelsas conquistas. Naquele tempo cada homem, dentro de sua casa, criava a própria lei, limitando-se á não ofender seu semelhante ou lhe causar dano, exceto nos termos da guerra, considerada "gloriosa dos homens". Essa individualização da liberdade era resultado de um entendimento clássico de que os homens eram tão nobres e honrados quanto os deuses. Estes, apesar de imortais, não poderiam obrigar os homens a obedece-los e, além disso, poderiam, pelos próprios homens, serem desafiados. Era a era gloriosa da liberdade que dava grandes tributos á individualidade.
Mas a humanidade se multiplicou, e a relação entre os homens passou a depender de acordos e alianças. É um fato imutável que todo individuo possui um interesse próprio. E para obtê-lo tornou-se necessário a tolerância, a paciência e, sobretudo, as negociações. E cada relação de interesse passou a ser observada por regras, como garantia e segurança para ambas as partes. Assim a necessidade de obter vantagens veio á exigir uma certa perda de liberdade. Em regra, quanto mais burocrático o acordo, menos liberdade sobra. As alianças se multiplicaram entre os homens, entre comunidades e entre nações. Riquezas eram, sobretudo, adquiridas por boas negociações e exploração de oportunidades. O mérito e o temor aos deuses foram elevados como meios de prosperar. A aquisição por meio da força, do assalto, e do engano tornou-se ilícito e vergonhoso. É interessante observar que, desde que os homens faziam seus acordos, não eram concluídos sem que houvesse uma garantia, que geralmente vinha em forma de algo escrito ou um sinal, outras vezes por meio de testemunhas, e outras vezes por meio de juramentos. Mas o fato é que boa parte desses acordos eram feitos debaixo da subjetiva "observância dos deuses". De alguma maneira os acordos e alianças tinham a intervenção divina como testemunha e como vingadora se alguma das partes sofresse traição. Assim, a busca do individuo pela realização de seus desejos parece sempre ter passado pelo cerceamento do pensamento religioso, sendo este o grande influenciador na formulação de regras e leis dentro das relações humanas. E devemos entender que a nossa percepção moral depende, quase que exclusivamente, da nossa percepção religiosa. A ideia de certo ou errado, apesar de tão indefinível em seu mais puro significado – mas moldada desde sempre pela religião – tem sido interpretada e instrumentalizada nos meios jurídicos de todos os países. O homem animal, selvagem e insubmisso dos livros de Homero, pelo "bem da sociedade", precisa ser domesticado. As leis surgiram de acordos entre homens, ao fazerem negócios ou alianças, e evoluíram para normas (morais/religiosas) cada vez mais generalizadas, a fim de enquadrar todos os indivíduos.
Por exemplo, o sentimento de vergonha que, na verdade, é um ataque que o Ego do individuo sofre, é muito mais frequente na medida em que é profundo o limbo moral em que ele se encontra. Em suma, não sentimos vergonha ou qualquer restrição quando fazemos algo que acreditamos ser correto. Lembrem-se das praias de nudismo na costa brasileira. As mesmas pessoas que, em qualquer outro lugar, sentiriam uma enorme vergonha em se despir, no interior de uma dessas praias não sentem o mínimo incomodo. Quantos desejos as pessoas não nutrem em seu interior, mas sentem vergonha de se quer menciona-los? Isso é uma amostra do poder de cerceamento que a cultura de uma nação exerce sobre o individuo.
No livro "A Segunda Guerra Mundial", o historiador Martin Gilbert traz documentos que provam que, após a derrota da Alemanha Nazista, os americanos capturaram cientistas alemãs e os enviaram para a América, a fim de utilizarem seus "talentos" e conhecimentos no avanço da tecnologia. Eram os mesmos cientistas que contribuíram com o partido Nazista na construção de armamentos, ferramentas de tortura, e diversos meios de matar pessoas. Quem não se revoltaria contra o massacre de Hitler na Europa? Mas e os cientistas alemãs aproveitados em solo americano, quantos se revoltaram? É por isso que, apesar da moralidade restringir a liberdade, o individuo pode transpor essa barreira "em nome de seu próprio interesse". Aqui está o que é maior do que a moral; o interesse pessoal.
São muitos exemplos em que o Governo toma medidas de restrição á liberdade dos cidadãos visando o "seu bem". É o famoso discurso do "bem comum". Essa justificativa pode ser o suficiente para qualquer tipo de ditadura, exatamente como temos visto no Brasil durante a pandemia. Stalin, por exemplo, matou milhões de pessoas, por acreditar serem contra o socialismo que traria o bem para todos na URSS. O mesmo Hitler; o mesmo Mao Tse Tung, o mesmo Mussolini, e muitos outros. Toda ditadura usa o discurso do "bem comum" para perseguir e limitar a liberdade das pessoas. Dessa forma, creio que a força motriz é o interesse. Fazemos tudo por aquilo que desejamos. Dependendo do que buscamos, fazemos uso de justificativas como "a minha felicidade", ou "o bem comum", para fazer frente á pressão moral. Só abandonamos o que estamos fazendo quando a pressão moral é maior do que o desejo que temos. Na verdade, quando sedemos á pressão moral, certamente é movido por um interesse; o desejo de fazer o que é certo diante de Deus e dos homens. Portanto se paramos, significa que este ultimo desejo venceu aquele primeiro.
Reconheço que a definição de liberdade é por demais complexa, porque dependerá sempre da soma do interesse do individuo com seus princípios morais. Mas, nós que vivemos do lado ocidental do mundo, compartilhamos quase os mesmos princípios, aqueles fundados pela moral judaico-cristã. Não é necessário ser religioso para observa-los. O cristianismo não trouxe apenas uma religião ao Ocidente, mas principalmente a supervalorização do individuo em detrimento do coletivo. Enquanto todas as demais religiões colocam o homem como devedor da divindade, um mero servo, escravo dos desejos dos deuses, o Cristianismo colocou o homem como participante da divindade, como filho. Não há outra religião que valorize tanto o ser humano como esta. E foi sobre ela que o Ocidente foi fundado. Por isso, com humildade, posso dizer que a liberdade pela qual lutamos é aquela que nos garante a possibilidade de agir, pensar e falar o que quisermos, conforme o nosso interesse na busca pela nossa felicidade, com uma única restrição, que é não interferir na mesma liberdade garantida á outros.
Lael Denis