terça-feira, 28 de junho de 2011

Quem acredita em Papai-Noel?


Tempos atrás, eu ouvi a história de um comerciante que resolveu revender o Guaraná Jesus em São Paulo. Trata-se de um refrigerante cor-de-rosa, com leve sabor de cravo e canela que é uma marca de grande sucesso de vendas no Maranhão.

Segundo consta, a fórmula da bebida foi criada pelo farmacêutico Jesus Norberto Gomes que, por ironia do destino, teria sido ateu e foi excomungado após uma agressão física contra um padre. Originalmente, Norberto visava finalidades medicinais, assim como o farmacêutico John Pemberton, criador da formula do refrigerante Coca-Cola®. Consta que o guaraná deveria servir para os males do estômago, assim como à Coca-Cola® deveria agir no alivio de dores de cabeça.

Não se abatendo com o fracasso da proposta medicinal, Norberto usou o xarope para produzir uma bebida para os netos. A aceitação foi tanta que a bebida extrapolou os limites familiares para cair nas graças dos consumidores maranhenses. O Guaraná Jesus ganhou o mercado local sem precisar de vultosas campanhas publicitárias ao seu redor. Sob os slogans "O Sonho Cor-De-Rosa", "Abençoe sua sede!", "Guaraná Jesus, porque nem só de pão vive o Homem" e "Fé no estômago", a bebida, literalmente, obteve a aprovação do gosto popular.

Em 2001, ele foi incorporado pela The Coca-Cola Company que intencionava extinguir a marca por competir vitoriosamente contra o produto americano. A multinacional seguia à risca a estratégia de comprar e fechar as fábricas concorrentes ao redor do mundo com a conivência dos governos de onde estava instalada. O caso do Maranhão é atípico porque a resposta dos maranhenses foi organizar um boicote à compra de Coca-Cola®. O mote "Volta Jesus!" deu voz ao protesto e o governo do Maranhão interferiu, proibindo o fechamento da fábrica. Diante disso, a Coca-Cola teve que ceder e recolocar o refrigerante no mercado. Porém, restringiu a sua distribuição àquele estado.

Voltando ao comerciante paulistano, ao tomar contato com a marca, ele apostou na ideia de ir à porta das Igrejas e vender para os evangélicos. Sua estratégia de vendas foi descrita através da seguinte cena:

- Irmão, você aceita "Jesus" na sua vida?
- Sim, eu a-aceito! - responde o irmão meio embaraçado.
- Irmão, você aceita deixar que "Jesus" entre dentro de você para saciar a sua sede?
- S-s-sim...
- Então: toma "Jesus", irmão! - diz, entregando uma amostra para degustação.

Essa história serve apenas para ilustrar um artifício comercial e não está sendo narrada para condenar a atitude do negociante que fez uma associação bastante lógica e anedótica para encontrar o seu nicho de mercado. A reação natural deveria ser o riso, sem qualquer sentimento de indignação, pois o Guaraná Jesus é somente um produto que obteve grande sucesso através da coincidência dos nomes e a popularidade do Filho de Deus.

A bebida não tem um histórico de planejamento de marketing ou exploração oportunista. Várias circunstâncias não intencionais, assim como o senso de humor popular, favoreceram o seu sucesso. Mas existem produtos que nascem dentro de uma concepção voltada para uma associação intencional com o nome de Jesus Cristo. O nome de Jesus, em si, se tornou uma grande marca comercial em torno da qual gravitam inúmeros outros produtos. Produtos que pertencem a uma categoria que recebe o nome de Gospel e que se destina ao consumo pelo público evangélico.

É interessante pensar sobre o quanto temos nos tornado materialistas, diante de uma sociedade capaz de transformar o que quer que seja em objeto de consumo, inclusive aquilo que temos por sagrado. Em nossos dias, conforme comentou um bom amigo e eu concordo: a quantidade daqueles que aceitariam ao verdadeiro Senhor Jesus deve ser facilmente superada por aqueles que aceitariam a bebida, sem vacilar.

No final de cada ano, ocorre uma grande explosão de estímulos midiáticos, oferecendo os mais diversos produtos para alimentar a indústria de consumo. Isto faz com que muitos realizem compras por impulso e se envolvam em dívidas desnecessárias.

Cifras extraordinárias são movimentadas no período que antecede a data escolhida para comemorar o nascimento de Jesus e isto já nem mesmo se baseia no pretexto Bíblico de agirmos segundo fizeram os reis magos que saudaram o nascimento do Messias lhe ofertando ouro, incenso e mirra. Através dos mecanismos de exploração comercial, ao invés de Jesus Cristo, o papel de principal protagonista do Natal tem sido ocupado por um senhor gordo e bonachão conhecido como "papai-noel".

Segundo contam, ele foi inspirado em um bispo católico da Ásia Menor, no século III, cujo nome é Nicolau. Esse bispo teria se apiedado de três moças pobres que estavam impedidas de se casar e destinadas à prostituição, pois o pai não podia pagar os seus dotes. Jogou saquinhos de moedas de ouro pela chaminé que caíram dentro de meias que secavam ao fogo e pertenciam a elas. Desse gesto, teria surgido o costume de colocar meias nas lareiras para receber os presentes natalinos. Foi associado ao Natal na Alemanha, onde é conhecido como Sankt Nikolaus ou Sankt Klaus, de onde derivaria o "Santa Claus" americano. Após testemunhos de milagres que lhe foram atribuídos, ele foi santificado pela Igreja Católica, tornando-se São Nicolau.

Papai-noel pode ser definido como a representação de um princípio de recompensa que premia segundo o merecimento pessoal e de acordo com um balanço de obras praticadas que é feito ao término de cada ano. Sabemos, porém, que esse mecanismo não atua de um modo imparcial e igualitário. Muitos trabalhadores íntegros que agem corretamente, mas não podem adquirir o que as propagandas alardeiam como essencial, sentem-se socialmente excluídos diante daqueles que podem.

No universo infantil, esse princípio de recompensa fundamentado no poder de compra, alimenta sentimentos de injustiça e cria os "órfãos de papai-noel". Algo que quando se soma com os efeitos de uma desagregação familiar, não havendo quem ensine a diferença entre um papai-noel comercial e um Papai Eterno Celestial, pode fazer com que cresçam se sentindo deserdados pelo próprio Deus, contra quem mais tarde se revoltam e passam a negar.

Crianças só conhecem o verbo "querer" e são alvos fáceis das campanhas publicitárias. O verbo "poder", usado para decidir sobre qualquer tipo de nova aquisição, deve ser conjugado pelo adulto que se vê no constrangimento de tentar fazer com que as suas crianças se conformem.

Nesta semana, eu tive a oportunidade de observar um pai acalmando seu filhinho no colo, ao mesmo tempo em que tentava explicar que se ele não estava comprando o brinquedo que o menino desejava ganhar, não era por falta de amor ou de merecimento e sim, por não ter dinheiro o bastante. Portanto, existe o lado cruel de chaminés apertadas por onde o velho gordo não passa.

Há também o aspecto ridículo para quem se situa no hemisfério sul, onde o período corresponde ao verão. Até o final do século XIX, papai-noel vestia roupas de inverno nas cores marrom ou verde. Em 1886, a revista Harper’s Weeklys publicou a primeira versão vermelha e branca, sob a autoria do cartunista alemão Thomas Nast. Em 1931, a Coca-Cola reviveu esse figurino numa campanha publicitária de tamanho sucesso que essa imagem foi consolidada e permanece até os dias de hoje. No Brasil, o estereótipo do "bom velhinho" é tão exótico que parece o prenúncio carnavalesco de um rei momo temporão. Considerando a predominância do clima tropical, quem se habilita a interpretar a personagem do papai-noel, sofre com o desconforto de uma fantasia sufocante que abafa a transpiração. Calor ainda mais pitoresco, tendo em vista as conexões com a maior indústria de refrigerantes do mundo...

Infelizmente, a suposta relação entre as benesses de Deus e as posses materiais tem sido ensinada nas próprias Igrejas cristãs. Neste nosso mundo capitalista, a própria religião se torna cada vez mais escrava de um ideal de prosperidade que pode ganhar contornos de uma ganância sem limites.
 
[ TEXTO EXTRAIDO DO SITE http://spirittvonline.blogspot.com/ ]

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